A Luz Que Volta Depois do Inverno

Há livros que entram na nossa vida como uma luz discreta, mas persistente, e O Cavaleiro da Dinamarca foi para mim essa primeira influência marcante. Chegou numa fase de escola, através do Plano Nacional de Leitura, mas deixou de ser apenas uma obra obrigatória. Tornou se uma descoberta pessoal, uma espécie de companhia silenciosa que me oferecia calma e sentido num tempo em que tudo ainda era novo para mim. A influência deste livro ficou na minha vida como ficam certas memórias que não pedem explicação e que nos acompanham pela idade adulta.

O Cavaleiro da Dinamarca é muito mais do que uma simples história de viagem. É um conto onde o caminho exterior se mistura com o caminho interior, e onde cada etapa revela algo do mundo e algo do próprio coração. A narrativa começa numa pequena floresta do Norte da Europa, num mosteiro onde um cavaleiro decide partir para a Terra Santa com o desejo de celebrar o Natal no lugar onde Jesus nasceu. Este gesto tão simples abre a porta a uma peregrinação cheia de maravilhas, encontros e provas.

Atravessando a Europa medieval, o cavaleiro encontra paisagens, culturas e histórias que o transformam. Passa por Veneza e descobre o brilho de uma cidade que vive entre a água e o céu. Passa por Itália e toca o espírito do Renascimento. Chega ao Oriente, onde a fé ganha novos contornos. Cada passo que dá é mais do que deslocação é crescimento.

Mas é no regresso que o livro revela a sua maior força. O cavaleiro demora muito mais do que esperava. O tempo muda lhe os planos, o inverno fecha lhe caminhos, e a vida obriga o a confiar no futuro mais do que na pressa de voltar. Quando reencontra a sua terra, percebe que os anos passaram. Contudo, o sentimento não é de perda é de compreensão. Ele regressa transformado, mais sábio, mais consciente do valor da fé, do tempo e da perseverança.

É talvez por isso que a influência deste livro ficou em mim. Porque fala de caminhadas longas, de esperas, de regresso e de fé. Mostra que cada vida é uma viagem onde aprendemos a lidar com invernos e primaveras, e que o verdadeiro Natal não é apenas uma data, mas um caminho interior.

E neste ano, que para mim tem sido um dos mais difíceis da minha vida, reencontrei me muitas vezes com este cavaleiro. Ensinou me, mais uma vez, a enfrentar a verdade de quem sou e a aceitar aquilo que é o meu próprio propósito. A sua viagem lembrou me que, mesmo quando tudo parece demorar, o caminho continua a mostrar a direção certa.

Nota sobre a autora

O Cavaleiro da Dinamarca foi escrito por Sophia de Mello Breyner Andresen, uma das vozes mais luminosas da literatura portuguesa. Publicado pela primeira vez em 1964, este livro tornou se uma referência da literatura infantojuvenil em Portugal e faz parte do Plano Nacional de Leitura. Sophia escreveu esta obra com a simplicidade poética que a caracteriza, unindo a magia da viagem, o espírito do Natal e a clareza profunda com que sempre olhou o mundo.

Dante e Beatriz, ilustração de Henrique Cayatte no livro “O Cavaleiro da Dinamarca”, de Sophia de Mello Breyner Andresen (ed. Porto Editora); ilustração da capa: Giotto, por Margarida Leite.