Comentário Exegético: O Batismo de Jesus
- Ricardo Casimiro
- May 17, 2024
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O Batismo de Jesus é predominante na vida de Cristo, uma vez que acontece no início do seu ministério público. Os quatro evangelhos relatam este evento, mas Mateus é o único que nos dá o relato completo. Mas, ainda que esta passagem desencadeie o ministério de Jesus, há estudiosos que propõem que é apenas uma invenção literária para transmitir uma ideia sobre a figura de Jesus. Aludem a possíveis antecedentes, assim como a lavagens pagãs e a algumas práticas judaicas, especialmente as que se referem a vários rituais de lavagens de purificação.Existem inúmeras interpretações destas passagens. Possíveis interpretações são dadas. Irei proceder a uma análise versículo a versículo destacando algumas análises exegéticas baseadas em comentários e argumentos, como base de prova para a minha conclusão.

3;13 «Então, veio Jesus da Galileia ao Jordão ter com João, para ser batizado por ele».
Apesar da comunidade de Qumran ter esta prática, é algo que se encontra e está enraizado na tradição Cristã primitiva. Está amplamente documentada no Novo Testamento: Act. 1: 21-22; 4, 27; 10, 38; Jo 1, 26-34; Mt3: 13-17; Mc 1: 9-11; Lc 3, 21-22.
O facto de o batismo de Jesus ser um evento difícil de entender pelas primeiras comunidades, ainda assim a passagem defende o seu valor histórico. [2] Jesus apresenta-se no batismo de arrependimento de João, não porque tenha necessidade de arrependimento, muito menos porque era pecador, mas para cumprir a palavra de Deus proclamada pelos Seus profetas. Com este ato, Ele é batizado para revelar que é o Messias, o ungido e o servo dotado do Espírito, prometido pelo profeta Isaías (cfr. Is 42; 1-6,6-7).
3;14 «João opunha-se, dizendo: «Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti, e Tu vens a mim?»
Isto torna claro a absoluta superioridade de Jesus face a João. Jesus, ao querer ser batizado por João, não quer dizer com isto que quer ser discípulo de João, ou que se quer converter de uma vida de pecado. Jesus recebeu o batismo de João de forma a se identificar com os pecadores em antecipação de o fazer para um propósito ainda maior na Sua crucificação. O Espírito e o Pai testemunharam que Jesus era o Filho Messiânico de Deus. O Espírito em forma de pomba, e o Pai ecoando o Sl. 2;7 e Is. 42;1
Ou seja, o plano total estabelecido por Deus para concretizar a salvação do homem. Embora a palavra “justiça” em Mateus designe “nova fidelidade” e total obediência a Deus, também queria dizer completa solidariedade com os pecadores. [4], e é assim que «mais tarde os Padres da Igreja interpretaram o batismo, como a identificação de Jesus com a humanidade pecadora.»Oferecendo-se como um exemplo de obediência, isto põe a sua missão em nítido contraste com a ideia judaica de um Messias triunfante. Nesta passagem, Jesus não aparece apenas como um exemplo de humildade e reverencia perante a sua missão enviada por Deus, mas de facto parece realizar um tipo de “ação simbólica” à maneira dos profetas antigos. Portanto, Ele “que era vida”, (Jo 1,4,14,6) entra em contacto com a água, para indicar que Ele concede o seu poder vivificante e torna-a desta forma matéria ou objeto do seu futuro Batismo.
Esta foi a ocasião escolhida por Deus para, logo no início da vida pública de Jesus, nos dar um sinal da divindade de Seu Filho. De certa forma, foi a apresentação de Jesus como o Messias, o Filho de Deus, sendo qualificado e acreditado pelo Espírito Santo. (v. 16 “como uma pomba”) e o Pai (v. 17: “uma voz do céu” - bat qol -).
A liturgia da Igreja usa esta passagem para lembrar que a Santíssima Trindade é manifestada no nosso batismo. «A frase em Mt 28;19, “batizando-os em Nome” indica que a pessoa “batizada” está intimamente ligada, ou se torna propriedade daquele por cujo o nome está a ser “batizada".
3;16 «Uma vez batizado, Jesus saiu da água e eis que se rasgaram os céus, e viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre Ele».
Apesar de ter havido uma objeção inicial de João em batizar Jesus, ele finalmente concorda fazê-lo.Batismo pré-cristão. Antes de Jesus começar o Seu ministério público, João Batista batizava no Jordão. O seu batismo era simbólico, exprimindo o arrependimento do pecador, e não efetuava em si nenhuma mudança sacramental interior. O Novo Testamento assinala inúmeras referências que João Batista batizava com água, (Mt. 3;11, Mc. 1;18, Lc. 3;16, Jo. 1,26), em contraste com o batismo de Jesus, que era efetuado através da água e do Espírito Santo. Jesus entrando nas águas, torna-se aparentemente frágil, pois a água foi também uma fonte de destruição no dilúvio.
A água não é meramente um poder de vida. As águas do mar refletiam uma inquietude demoníaca pela sua agitação perpétua e a desolação de Sheol pela sua amargura. A dilatação repentina do vento do oeste, soprando a terra e os seres vivos durante a tempestade (Jo 12, 15;40, 23), simboliza o infortúnio que se prepara para cair sobre o homem inesperadamente. (Sl 124), os enredos que os inimigos do homem justo tecem contra ele (Sl. 18;5f, 17), pelas suas maquinações eles tentam arrasta-lo para o fundo do abismo. No entanto, nas mãos do Criador, este terrível flagelo não é cego; embora engula o mundo dos ímpios (2Pd. 2,5), o dilúvio permite a Noé, o homem justo, sobreviver (Sb. 10,4) As águas do Mar Vermelho, de modo semelhante, fazem a distinção entre o povo de Deus e o dos ídolos (Sb. 10,18f). As águas terríveis, portanto, antecipam o julgamento final por fogo. (2 Pd. 3,5ff; cf Sl 29,10; Lc.3,16f); deixam uma nova terra à sua passagem (Gn.8,11).
Ao sair das águas, Jesus de certo modo santifica quem o batizou, e sem dúvida, sepulta o antigo Adão, fazendo nascer o novo Adão.
3;16 «eis que se rasgaram os céus»
Com isto, temos o início do ministério público de Jesus e a oportunidade de reconciliação entre o céu e a terra, portanto, entre Deus e o homem. Isto relembra que, durante quase 300 anos, não houve nenhum profeta de Deus a manifestar a palavra de Deus ao seu povo.
3;16 «como uma pomba»
Este evento do batismo de Jesus marca a inauguração de um mundo novo. Como Isaías tinha profetizado, o Espírito desce sobre Jesus como uma pomba, relembrando o Espírito de Deus pairando sobre as águas no princípio, (cfr Gn 1;2), e na pessoa e missão de Jesus, o começo de uma nova criação. Vejamos o comentário de Bento XVI no seu livro Jesus de Nazaré: «a imagem da pomba pode lembrar o pairar do Espírito sobre as águas, de que fala o relato de criação (Gn 1,2) através do advérbio como (como uma pomba) esta serve de “imagem daquilo que substancialmente não pode ser descrito” [10]. A imagem da pomba, símbolo do Espírito, relembra o tempo do dilúvio (de Noé), em que a pomba aparece com um ramo de oliveira no seu bico indicando que a paz fora restabelecida entre Deus e os humanos.
A “força” do Espírito era comunicada aos reis, profetas e aos grandes libertadores, aos quais lhes era infundida a coragem e o poder para cumprirem a sua missão. Mandando o seu Espírito sobre Jesus, Deus demonstra que mais uma vez retomou o diálogo com o seu povo e que Jesus recebe esta consagração e unção para alcançar a sua missão. É de salientar que o batismo de Jesus é descrito num género apocalíptico, com elementos que se mantêm significativos, assinalando uma nova relação entre Deus e a humanidade, uma nova criação. Desta forma, “Os céus abriram-se” é uma imagem da ideia que o firmamento era uma superfície esférica compacta de cristal, separando a terra do céu, e por isso, para o Espírito descer, o céu teria que se abrir.
Mas uma vez que São Jerónimo (em Math I, 3) alertou para que “os elementos não eram o que se estava a abrir, mas sim os olhos do espírito”, este “abrir dos céus” é o prelúdio da nova relação entre Deus e o homem.
Dizer que “o Espírito Santo desceu como uma pomba”, pressupõe o conceito de pomba do Antigo Testamento e do Antigo Oriente Próximo. De acordo com este conceito, a pomba era constantemente associada ao mundo sagrado, um símbolo muito adequado para indicar a abertura da nova era, que estava a ser inaugurada. Isto não quer dizer que o Espírito Santo não estava em Jesus, mas que estava, desta forma, para nos revelar quem é Jesus: ele é o Filho de Deus, em quem o Espírito Santo está presente. [11] Desde a exegese Patrística aos autores modernos o batismo de Jesus tem sido visto como a revelação do Mistério Trinitário.
3:17 «E uma voz vinda do Céu dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado».
O batismo de Jesus é o momento em que Ele é preparado para o ministério público, e a ocasião em que ele é equipado com a presença do Espírito Santo e proclamado Filho de Deus. Isto contrapõe-se á passagem do Livro dos Génesis em que Deus pede a Abraão para sacrificar o seu filho Isaac, o seu único filho legitimo, o herdeiro. Gn 22;2 - Deus disse: «Pega no teu filho, no teu único filho, a quem tanto amas, Isaac, e vai à região de Moriá, onde o oferecerás em holocausto, num dos montes que Eu te indicar»). Embora Isaac seja poupado, Deus não poupa o Seu único Filho. O batismo no rio Jordão é a inauguração da missão de Jesus. O Salmo 2 também se cumpre aqui. (Sl 2;7 - «Vou anunciar o decreto do SENHOR. Ele disse-me: "Tu és meu filho, Eu hoje te gerei»). E a promessa de Isaías é finalmente cumprida (Is 42;1 - «Eis o meu servo, que Eu amparo, o meu eleito, que Eu preferi. Fiz repousar sobre ele o meu espírito, para que leve às nações a verdadeira justiça».
Concluindo, esta narrativa é um convite a reconhecer quem é Jesus e avaliar o valor do batismo, semelhante ao de Jesus, mas diferente do de João. Isto é importante, para ter em conta o paralelismo desta perícope com a fórmula batismal Trinitária do final do evangelho de Mateus (cfr Mt 28;18). No batismo de Cristo podemos entender o que o sacramento significa e imprime no crente; assim para nós, os céus que estavam fechados devido ao pecado estão agora abertos; o Espírito Santo desce com a sua graça, renovando-nos e fazendo de nós o Seu templo; e assim nos tornamos, em Cristo, filhos amados de Deus.
Ricardo Casimiro
Bibliography
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H. L. Ellison, “Matthew,” in The International Bible Commentary, ed. F. F. Bruce (Carmel, NY: Guidepost, 1979).
King Nicholas, Mayhew Kevin. “According to Matthew.” in The New Testament, Freshly translated with a cutting-edge commentary. Buxhall, Suffolk UK, 2004.
Léon-Dufour Xavier. “Water” in The Dictionary of Biblical Theology St Paul Books & Media, Boston, MA 1995.
Ratzinger, Joseph. "The Baptism of Jesus". In Jesus of Nazareth, Paperback ed. San Francisco, Calif: Ignatius Press, 2008.
The Holy Bible: Revised Standard Version. 2nd Catholic ed., Ignatius ed. San Francisco: Thomas Nelson Publishing for Ignatius Press, 2006.
W.E, Marrill F. Unger, William White, Jr., Thomas, “Baptism,” in Vine's Complete Expository Dictionary of Old and New Testament Words (Nelson Publishers, Nashville, 1996).