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Revelar aquilo que nos já foi revelado

Um olhar sobre a fotografia, a espera e o sentido de ver.


Esta semana encontrei um conjunto de câmaras fotográficas antigas, ainda de rolo. Fiquei algum tempo a observá-las, como quem reencontra um amigo de infância. Havia nelas algo de familiar, talvez porque, num passado não tão distante, também eu usei câmaras como aquelas e até modelos ainda mais antigos.


Recordei-me da expectativa que existia em todo o processo, o cuidado em colocar o rolo, o som de cada clique, a esperança de que a luz tivesse sido suficiente e depois a espera, essa espera que hoje parece pertencer a outro tempo, até ao momento de revelar. Era um ritual silencioso e cheio de mistério. E, curiosamente, as fotografias mais belas eram quase sempre as que menos esperávamos.


Depois vinha o gesto de procurar um álbum, uma caixa ou uma capa onde pudéssemos guardar essas imagens para que não se perdessem. Hoje, os nossos telemóveis permitem-nos captar não apenas um rolo, mas centenas de fotografias. Fazemos dezenas de registos por dia, aplicamos filtros, ajustamos cores e corrigimos imperfeições. Procuramos a imagem perfeita e, nesse processo, acabamos muitas vezes por eliminar aquilo que antes era mais bonito, a surpresa.


A fotografia digital deu-nos rapidez e controlo, mas tirou-nos o encanto da espera. Mostra-nos tudo de imediato, mas talvez nos faça sentir menos.


Por isso, neste fim de semana, deixo-vos esta reflexão. Não deixemos que a vida nos roube a capacidade de nos surpreendermos. Que saibamos acolher o inesperado, admirar o instante antes de o capturar e descobrir beleza nas pequenas imperfeições do quotidiano.


Porque olhar é também um ato de revelação. É olhar de novo e reconhecer, nessa realidade simples e luminosa, aquilo de que realmente somos feitos e o propósito que nos habita. Quando há esse olhar renovado, nasce também o efeito surpresa, a antecipação serena que nos faz esperar com esperança.


E é então que compreendemos que cada instante contém algo que já nos foi revelado, mas que ainda precisa de ser descoberto. Revelar é tornar visível o que estava escondido, é transformar o olhar em memória, é dar sentido ao que o tempo quis guardar.


E talvez seja precisamente aí, nesse simples ato de revelar, que a fotografia encontra o seu verdadeiro propósito: recordar-nos que a vida também se revela aos poucos, quando temos paciência para a ver.



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